PCC controla mais de 40 fundos de investimento e movimenta R$ 30 bilhões em operações financeiras, aponta Receita Federal
A Receita Federal revelou nesta quinta-feira (28) detalhes impactantes sobre a atuação financeira do Primeiro Comando da Capital (PCC)


A descoberta faz parte da megaoperação Carbono Oculto, deflagrada em âmbito nacional e que conta com a participação da Polícia Federal, Polícia Civil e da própria Receita Federal. O objetivo é desmantelar a estrutura financeira que permite ao PCC atuar não apenas no tráfico de drogas, mas também em setores legítimos da economia, disfarçando suas movimentações bilionárias.
A infiltração do PCC no mercado financeiro da Faria Lima
Um dos pontos que mais chama a atenção no relatório da Receita é a forma como a facção conseguiu se infiltrar no coração do mercado financeiro brasileiro, a famosa Avenida Faria Lima, em São Paulo. Considerada a “Wall Street brasileira”, a região abriga sedes de bancos, corretoras, gestoras de ativos e fintechs.
De acordo com os auditores, membros ligados ao PCC atuavam de maneira discreta como gestores e investidores, criando estruturas sofisticadas para ocultar a origem ilícita dos recursos. Os fundos identificados pela Receita são fechados e contam com apenas um cotista, geralmente outro fundo controlado pelo grupo, criando camadas sucessivas de blindagem financeira.
Essa engenharia torna praticamente impossível, em uma análise superficial, rastrear o dinheiro de origem criminosa. "Se em séries como Narcos os traficantes escondiam malas de dinheiro em galpões, hoje a realidade é outra: eles bancarizam os recursos e colocam diretamente no mercado de capitais", explicou um dos auditores envolvidos na operação.
O império construído com fundos de investimento
As investigações revelaram que os 40 fundos controlados pelo PCC financiaram uma verdadeira rede empresarial, que vai muito além do crime tradicional. Entre os ativos adquiridos estão:
Um terminal portuário utilizado para operações logísticas estratégicas;
Quatro usinas de álcool em operação, além de outras duas em processo de aquisição;
1.600 caminhões para transporte de combustíveis em várias regiões do país;
Mais de 100 imóveis, incluindo fazendas milionárias, galpões industriais e mansões em áreas de alto padrão.
Somente no interior de São Paulo, a facção adquiriu seis fazendas avaliadas em R$ 31 milhões. Além disso, uma luxuosa casa em Trancoso (BA) foi comprada por R$ 13 milhões, evidenciando o poder de compra e a estratégia de diversificação patrimonial do grupo.
A fintech que atuava como banco paralelo
Um dos maiores destaques da operação é a descoberta de uma fintech financeira utilizada como banco paralelo da facção. Apenas essa empresa movimentou R$ 46 bilhões em operações não rastreáveis nos últimos anos.
O esquema funcionava por meio de contas bolsão, mecanismo que permite o registro de valores sem a devida identificação dos titulares. Isso possibilitava ao PCC movimentar cifras astronômicas sem chamar a atenção imediata dos órgãos de controle.
De acordo com a Receita, a fintech desempenhava papel semelhante ao de uma instituição bancária oficial, oferecendo serviços de crédito, pagamentos e transferências a membros da organização criminosa e empresas ligadas ao esquema.
Principais empresas e grupos envolvidos
As investigações da operação Carbono Oculto apontam que três grupos principais eram fundamentais para a movimentação e blindagem do patrimônio do PCC:
Grupo Aster/Copape: controlava usinas, empresas formuladoras (que fazem mistura de combustíveis), distribuidoras e uma ampla rede de postos. Servia como base logística para o esquema.
BK Bank: fintech financeira que operava contas não rastreáveis e fornecia a estrutura de “banco paralelo” ao PCC.
Reag: fundo de investimento envolvido na compra de empresas e usinas, além de atuar na proteção patrimonial dos envolvidos.
Essas empresas, segundo os auditores, também financiavam companhias importadoras, que adquiriam produtos estratégicos no exterior, como nafta, hidrocarbonetos e diesel. Os produtos eram então revendidos em território nacional, alimentando uma rede de mais de mil postos de combustíveis espalhados em dez estados brasileiros: São Paulo, Bahia, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Maranhão, Piauí, Rio de Janeiro e Tocantins.
Como funciona o esquema de lavagem de dinheiro
Especialistas em combate à lavagem de dinheiro explicam que o PCC adota um modelo sofisticado de camuflagem financeira. O processo segue, em geral, três etapas:
Colocação: o dinheiro do tráfico e de outros crimes é injetado em empresas de fachada ou fundos de investimento.
Ocultação: por meio de transferências entre fundos, empresas e contas, o dinheiro é movimentado de forma a dificultar o rastreamento.
Integração: os valores retornam ao mercado formal em forma de investimentos legítimos, como imóveis, usinas e postos de combustíveis.
Essa metodologia permite que bilhões de reais circulem sem levantar suspeitas imediatas, tornando a facção um dos maiores conglomerados clandestinos da América Latina.
O poder econômico do PCC
Fundado em 1993, dentro de presídios paulistas, o Primeiro Comando da Capital cresceu exponencialmente e hoje é considerado a maior facção criminosa do Brasil. Se antes sua principal fonte de renda era o tráfico de drogas e os assaltos a bancos, atualmente o PCC diversificou suas operações, atuando em áreas como contrabando, garimpo ilegal, transporte, setor imobiliário e mercado de combustíveis.
Estima-se que a facção movimente bilhões de reais por ano, com células ativas não apenas em todo o Brasil, mas também em países vizinhos como Paraguai, Bolívia e Colômbia. Essa internacionalização fortalece seu poder logístico e amplia as rotas de tráfico.
O impacto no setor de combustíveis
O setor de combustíveis foi escolhido como alvo preferencial do PCC por três motivos principais:
Alto volume de movimentação financeira, que facilita a diluição de dinheiro ilícito.
Dificuldade de fiscalização, devido à complexidade da cadeia produtiva que envolve refinarias, distribuidoras, transportadoras e postos.
Demanda constante, já que combustíveis são essenciais para a economia, garantindo mercado consumidor.
Segundo a Receita Federal, o PCC controlava mais de mil postos de combustíveis, utilizados não apenas para lavagem de dinheiro, mas também para garantir lucros legítimos que reforçavam o caixa da organização.
A megaoperação Carbono Oculto
A operação Carbono Oculto é considerada uma das maiores ofensivas já realizadas contra o PCC. Centenas de agentes da Polícia Federal, Polícia Civil e Receita Federal participam da ação, cumprindo mandados de busca e apreensão em vários estados.
O nome da operação faz referência ao carbono presente nos combustíveis e ao dinheiro oculto movimentado pela facção. Até o momento, foram apreendidos documentos, veículos de luxo, valores em espécie e registros contábeis que podem revelar ainda mais ramificações do esquema.
Desafios para o Estado
Apesar do impacto da operação, especialistas em segurança pública alertam que enfrentar o poder econômico do PCC é um desafio de longo prazo. A facção atua de forma empresarial, com advogados, contadores e consultores financeiros especializados em criar mecanismos de blindagem.
“Hoje, o PCC se assemelha muito mais a um conglomerado empresarial do que a um grupo criminoso tradicional. Ele tem estrutura, hierarquia, planejamento estratégico e diversificação de investimentos”, avalia um pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
O que vem a seguir
A Receita Federal afirmou que seguirá aprofundando as investigações e que novos fundos e empresas podem ser revelados nos próximos meses. O objetivo é quebrar a espinha dorsal financeira do PCC, minando a principal fonte de sustentação da facção: seu poder econômico.
Enquanto isso, a megaoperação segue em andamento, com a expectativa de novas prisões e bloqueio de bens milionários ligados à organização.
Conclusão
A revelação de que o PCC controla mais de 40 fundos de investimento com patrimônio superior a R$ 30 bilhões escancara a sofisticação alcançada pelo crime organizado no Brasil. Mais do que uma facção criminosa, o grupo se tornou um império econômico paralelo, capaz de se infiltrar nos setores mais estratégicos da economia nacional.
A operação Carbono Oculto é apenas o começo de uma longa batalha contra a lavagem de dinheiro e o domínio financeiro do PCC. O desafio agora é impedir que a facção continue expandindo suas ramificações no mercado formal e minando a estrutura econômica do país.